HISTÓRICO
Práticas que guardam relação com a hipnose acompanham todas as
populações humanas em todos os tempos. Geralmente na forma de
magia e superstições; talismãs e amuletos. Muitas ervas e poções
poderiam ter maior efeito psicológico do que propriamente na química
do organismo. Sortilégios, simpatias e encantamentos. A crença de que
certas pessoas teriam poderes especiais sobre os outros, levando-as a
serem temidas ou adoradas. Bênçãos, maldições e rezas. Feitiços.
Mas na história da civilização ocidental houve um momento especial
no qual utilizar-se de influência psicológica sobre outro indivíduo para
curar tornou-se objeto de estudos científicos. E isso foi controverso; e
espetáculo; e contestado e por fim esquecido. Então renascido e
tornado no que hoje é a moderna ciência da Hipnose. Essa trajetória se
confunde com a vida e obra de homens de grande visão e capacidade.
O precursor da hipnose é Mesmer.
Franz Anton Mesmer (1734-1815)
Mesmer postulou a teoria de que o Universo era preenchido por um
fluido invisível e de natureza magnética, que emanaria das estrelas e
influenciaria os fenômenos físicos e os organismos vivos. Tal fluido
também teria como fonte os ímãs (magnetismo mineral) e os seres
vivos (magnetismo animal). Defendia que as doenças eram um
desequilíbrio na distribuição deste fluido e elaborou técnicas para
produzir curas.
Mesmer formou-se em medicina em Viena em 1766. Seu trabalho foi
fortemente influenciado pelo sucesso e notoriedade do padre jesuíta
Maximilian Hell, então Astrônomo Real em Viena, que produzia curas
pela imposição de magnetos sobre o corpo dos pacientes. Tais
magnetos poderiam eventualmente ter a forma do órgão que necessitava de tratamento. Outra grande influência foi o também padre Jean-Joseph Gassner, que efetuava imposição das mãos e tocava os
doentes com um grande crucifixo de metal, expulsando os demônios e
restabelecendo a saúde em muitos casos. Mesmer explicava essas
curas com a sua teoria do magnetismo animal e mineral.
Ele próprio começou aplicando ímãs sobre os pacientes, e mais
tarde chegou à conclusão que eles eram desnecessários. Afirmava que
o magnetismo animal que emanava de suas mãos poderia produzir
resultados ainda melhores.
Mesmer aplicava “passes magnéticos” ao longo do corpo do
paciente, sem tocá-lo, enquanto explicava que isso alteraria o fluxo de
energia e que a pessoa ficaria “magnetizada”. Em tempo variável, às
vezes superior a uma hora, poderiam aparecer os efeitos.
Muitos pacientes sofriam convulsões, caindo ao solo gritando ou em
movimentos violentos e involuntários. Após isso passariam a um estado
de rigidez que eventualmente durava horas. Ao acordar referiam
melhora ou até mesmo cura completa das afecções que os acometiam.
Sua fama se espalhou na mesma velocidade que as críticas e as
acusações de charlatanismo. Mudou-se para Paris em 1778.
Para poder atender mais pacientes, Mesmer projetou e construiu um
aparelho que consistia numa tina cheia de limalha de ferro da qual
saíam bastões de vidro. Mesmer “magnetizava” a limalha de ferro com
movimentos de suas mãos. Os pacientes sentavam em torno da tina
segurando os bastões de vidro e tocando a pessoa próxima.
Acreditava-se que estariam saturando o organismo de magnetismo e
que isso seria benéfico.
Mesmer treinou assistentes e, como assim mesmo não conseguia
atender a todos que o procuravam, conta-se que “magnetizou” uma
árvore de seu jardim, de tal forma que os pacientes que a tocassem
poderiam entrar em transe e até mesmo obterem cura.
Em 1784, a pedido do rei da França, foi formada uma comissão de
cientistas que incluía nomes como Benjamim Franklin e o químico
Lavoisier para estudar a veracidade dos fatos.
A comissão reproduziu os experimentos de Mesmer com sucesso.
Entretanto, verificaram que os pacientes não saberiam diferenciar os
objetos que haviam realmente sido magnetizados ou não, e que
poderiam responder mesmo a objetos que não houvessem.
Concluiu-se que não existia magnetismo animal e que os fenômenos
eram apenas imaginação dos pacientes.
Mesmer foi denunciado por fraude e desacreditado.
Abade Faria (1756-1819)
Padre português que explicava os fenômenos do mesmerismo
através da concentração , e não do magnetismo.
Sobre sua técnica, conta-se que observava fixamente o paciente por
um tempo, e então ordenava que dormisse. Observou que 3 em cada 5
pacientes entravam em sono mesmérico.
Reputa-se a ele o desenvolvimento do “signo-sinal” e o uso de
“sugestões pós-hipnóticas”
Apontou sabiamente: ”Parece que os homens podem ser
encantados para a doença e encantados para a saúde.”.
James Braid (1795-1860)
Braid foi um médico inglês. Oculista.
São devidos a ele o termo hipnose e a técnica de indução de transe
pela fixação do olhar.
Na verdade ele deparou-se com o fenômeno hipnótico por acaso. Ao
pedir a um paciente que fitasse uma luz para que ele estudasse os
reflexos pupilares, necessitou ausentar-se da sala. Quando retornou,
encontrou-o no que reconheceu como um transe mesmérico.
Ele já tinha conhecimento teórico sobre o mesmerismo e tinha
mesmo presenciado demonstrações.
No decorrer de seus estudos, entendeu a hipnose como um
fenômeno neurofisiológico e percebeu que a fixação do olhar apenas
cansa a pessoa e a torna mais predisposta a cooperar com as
sugestões verbais.
Num primeiro momento, achou que o que acontecia era muito
semelhante ao sono fisiológico, então formulou o termo hipnose a partir
do grego hypnos, que significa sono. Mais tarde tentou reformular o
termo (para monoideísmo), mas a palavra hipnose já estava muito difundida e associada definitivamente ao fenômeno. Assim como a luz, os objetos brilhantes, pêndulos e as espirais girando.
Elliotson (1791-1868)
Professor de medicina em Londres, famoso por ter introduzido a
utilização do estetoscópio na Inglaterra. Interessou-se pelo
mesmerismo, o que lhe trouxe grandes prejuízos à reputação e à
carreira. Foi responsável por grande difusão da hipnose na prática
médica através da publicação do jornal intitulado “The Zoist”.
James Esdaile (1808-1859)
Médico escocês que trabalhava na Índia.
Tomou conhecimento do hipnotismo através de um artigo no “The
Zoist”, e começou a realizar cirurgias de portes variados em Calcutá
usando a hipnose como anestésico. Naquela época ainda não existia
anestesia química.
Em 1850, publicou “Mesmerismo na Índia”, com o relato de 250
cirurgias variadas onde a hipnose fora utilizada como anestesia, não
deixando de apontar também reduções significativas nas taxas de
mortalidade, morbidade e complicações pós-operatórias.
De volta à Inglaterra, foi ridicularizado pelos colegas. Alguns
duvidavam de seus feitos. Outros acreditavam que a dor era desígnio
divino e não devia ser suprimida.
Radicou-se na Escócia, onde eventualmente efetuava cirurgias sob
hipnose.
Escola de Nancy
Ambroise-Auguste Liébault (1823-1904) e Hippolyte Bernheim
(1843-1917), médicos franceses, estabeleceram os alicerces da
hipnose que se pratica em nossos dias. Definiram o estado hipnótico
como uma função normal da personalidade sadia e desenvolveram
técnicas de indução baseadas no relaxamento e bem-estar. Trataram
cerca de 10.000 pacientes em sua clínica gratuita. Em 1886, Bernheim
publicou o valioso “Suggestive Therapeutics”.
Jean-Martin Charcot (1825-1893)
Efetuou estudos sobre hipnose, embora limitados a poucos
pacientes histéricos.
Foi o primeiro a apresentar uma classificação para a profundidade
dos estados hipnóticos, dividindo-os em 3 estágios: catalepsia, letargia
e sonambulismo.
A Decadência da Hipnose
O advento da anestesia química e o entusiasmo com a psicanálise
de Freud relegaram a hipnose por décadas ao estado de pseudociência
e espetáculo circense.
Neste período, ainda alguns nomes merecem citação, embora a
descrição de suas obras não seja compatível com o porte do presente
trabalho. São eles Ivan Pavlov (1849-1936) e Pierre Janet (1849-1947).
Após a Segunda Guerra Mundial, o interesse científico pela hipnose
voltou a surgir, mesmo no Brasil, através dos cursos ministrados pelo
argentino Torres Norry em 1955.
Milton Hyland Erickson (1901-1980)
Milton Erickson foi o maior expoente da hipnose no século XX. A sua
lúcida compreensão acerca das nuances do fenômeno e sua técnica
refinada lhe renderam fama e reconhecimento mundial, e um grande
avanço à hipnose como ciência.
Erickson foi vítima da poliomielite aos 17 anos de idade, à qual
sobreviveu com seqüelas importantes. Era restrito a uma cadeira de
rodas, e em certos períodos, mesmo a sua fala era dificultosa. Sua
característica mais marcante era, entretanto, sua aguçada capacidade
de observação.
Antes da prática clínica diária, ele próprio costumava submeter-se a
prolongado período de auto-hipnose. Costumava tratar vários pacientes
ao mesmo tempo, revezando-os em uma cadeira que era a “cadeira do
transe”. Sua fala era lenta e entrecortada por longas pausas e
reticências.
Ao invés das sugestões diretas tradicionais, que se assemelham a
ordens, usava metáforas e outras figuras de linguagem para abordar
seus pacientes. Acreditava que as sugestões indiretas produziam
melhores resultados, por evitar as resistências conscientes.
Sua terapia era centrada nas soluções e não nos problemas, de tal
forma que o objetivo mais freqüente do tratamento era eliciar no
indivíduo o desenvolvimento de determinada característica, sempre
levando em conta os recursos e competências que o paciente já
possuía.
Freqüentemente designava “tarefas” cheias de significados ocultos.
Orientava os pacientes independentemente do grau ou estágio de
hipnose que estes eram capazes de atingir, e parecia dotado de
recursos inesgotáveis para influenciá-los.
As induções eram muitas vezes específicas para determinada
pessoa, com as características constantes de serem permissivas e
maternais.
Sua técnica de indução mais famosa era a “Levitação das Mãos”.
Vários de seus alunos deram continuidade ao seu trabalho, cada um
centrando suas sistematizações em aspectos diferentes da hipnose
praticada por Erickson.
Denomina-se hoje Hipnose Ericksoniana àquelas terapias em que
predominam elementos ensinados por Erickson ou apreendidos da
observação do seu trabalho.
A Hipnose Hoje, no Brasil e no Mundo
Em 1955 a Associação Médica Britânica emitiu relatório favorável ao
ensino médico e prática da hipnose, no que foi seguida em 1958 pela
Associação Médica Americana.
No Brasil, a legislação em vigor é pautada em decretos
presidenciais da década de 60, que outorgam a prática da hipnose a
médicos, psicólogos e odontólogos, cada qual em seu campo de
atividade. Também condenam-se os espetáculos públicos de hipnose
sem finalidades científicas.
Em todos os continentes, a hipnose está em progresso e difusão. Há
cada vez mais profissionais se capacitando a exercê-la e mais
pacientes se beneficiando com isso.
Dia a dia se acumulam conhecimento e novas técnicas.
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